Justiça

Justiça é o meio termo entre dar em excesso e receber em excesso.

O que é a justiça?

Definição de justiça de Aristóteles

Quando fazemos coisas boas e não somos reconhecidos por isso, nos sentimos injustiçados. E, quando alguém prejudica voluntariamente outras pessoas, esperamos que seja punido.

É claro que podemos praticar o bem sem esperarmos nada em troca, e perdoar quem se arrepende por seus erros quantas vezes quisermos. Mas não parece certo que uma pessoa que dá tudo de si para ajudar as outras não receba nehuma recompensa, enquanto outras apenas recebem (ou mesmo tomam) o que as outras têm. Segundo Aristóteles, portanto, justiça é o meio termo entre dar em excesso e receber em excesso.

Proporcionalidade

Vivenciamos a justiça quando damos aos outros o que eles merecem e quando recebemos o que merecemos. Ao praticarmos uma boa ação, merecemos uma recompensa (ou pelo menos um reconhecimento) proporcional ao nosso feito. Se alguém pratica uma pequena boa ação, merece que lhe digam “obrigado”. Se aumenta o conforto e a qualidade de vida dos outros com seu trabalho, merece ser remunerado, para que também tenha conforto e qualidade de vida.

Com isso vemos que, longe de ser apenas a punição de crimes, a justiça é uma atitude que se aplica a todas as áreas da vida, desde a amizade até o comércio. E, para que a relação entre duas pessoas seja justa, cada uma deve retribuir o que recebe de bom da outra com algo de mesmo valor.

Quanto vale cada coisa?

O valor comercial

O comércio é a atividade em que a justiça é mais visível, porque, como nota Aristóteles, o dinheiro nos ajuda a comparar o valor de bens distintos. Seria claramente injusto trocar uma caneta por um carro, porque a caneta é muito mais barata. Portanto nessa troca uma pessoa estaria dando em excesso e a outra recebendo em excesso, o que vai contra a definição de justiça. Por isso, se uma caneta estiver sendo vendida pelo preço de um carro, diremos que é um preço injusto.

Nos acostumamos a pensar no comércio como algo injusto, porque muitas empresas usam marketing agressivo para nos convencer a pagar por um produto muito mais do que ele vale, mas a essência do comércio é justa, pois pagar por um produto é uma forma de recompensar seus criadores pelo bem que ele nos faz. No comércio, o valor dos produtos tende a ajustar-se naturalmente de acordo com a lei da oferta e da demanda (que já era conhecida no tempo de Aristóteles).

Outros valores

O valor dos bens comerciáveis não é tão difícil de identificar, mas como saber o valor das palavras gentis, do apoio ou dos favores de um amigo, para que possamos retribuí-los proporcionalmente?

Aristóteles propõe uma regra alternativa para avaliar o que não for comerciável: o valor de cada coisa varia conforme (1) a importância que tem para a pessoa que a recebe e (2) os gastos que exige da pessoa que a dá (sejam de dinheiro, tempo ou esforço).

Portanto, se alguém simplesmente nos elogia casualmente, um simples “obrigado” já basta. Mas, se alguém investe horas do seu dia para nos ajudar a resolver um problema, se quisermos ser justos devemos passar a ter uma consideração especial por essa pessoa, e estar dispostos a também nos esforçar para ajudá-la na mesma medida.

Quando alguém nos dá algo tão importante que não temos como recompensá-lo devidamente por isso, devemos retribuir com gratidão e respeito extremos. É o caso de nossos pais, que nos deram a própria vida (sem a qual não teríamos mais nada), e dos nossos professores, que nos dão conhecimento.

As pessoas virtuosas

A independência das leis

Já que a justiça é uma atitude moderada, ela é também um tipo de virtude. Portanto, ser justo é agir com os outros como as pessoas virtuosas agem. Por isso, segundo Aristóteles, as pessoas virtuosas não precisam de leis. Elas não precisam ser obrigadas a dar aos outros o que eles merecem, porque já fazem isso naturalmente; nem precisam que ameacemos prendê-las caso tomem algo indevidamente, porque isso nem passa pela sua cabeça.

Os benefícios da justiça

As leis existem, com suas punições, para incentivar as pessoas que não se importam com a justiça a agir de forma altruísta por seu próprio bem. Mas para as pessoas virtuosas o altruísmo e o egoísmo já coincidem naturalmente, porque sabem que agir de forma justa é o melhor para todos. É melhor para o beneficiário, claro, por conta do benefício que recebe. Mas também para o benfeitor, porque ao agir com justiça ele cultiva a virtude em si mesmo.

É por isso, segundo Aristóteles, que as pessoas virtuosas consideram que dar é melhor que receber: quem recebe algo bom ganha apenas o prazer ou a utilidade daquilo que recebe, mas quem o dá se torna uma pessoa melhor e mais feliz, por estar cultivando a virtude. As pessoas viciosas, ao contrário, preferem ser injustas, porque ao receber o máximo e dar o mínimo terão o maior prazer possível (e essas pessoas ainda não aprenderam a diferenciar o prazer da felicidade, exatamente como uma criança).

As leis

Para que servem as leis?

As leis servem para levar os cidadãos a ter bons hábitos. Portanto, uma lei boa é aquela que incentiva os cidadãos a serem virtuosos. Leis desse tipo evitam que demos ou recebamos em excesso, compensando nossos atos com prêmios ou punições equivalentes.

Ou seja: se damos muito de nós para os outros, recebemos benefícios para nos recompensar por aquilo que demos. E, se nos beneficiamos de forma desonesta, perdemos algo para compensar nosso ganho indevido.

Dessa forma as leis tornam a sociedade mais justa quando são bem-feitas. Mas e quando os próprios legisladores são injustos?

Aristóteles comenta que as leis frequentemente são distorcidas, e usadas não para incentivar a virtude e recompensar o mérito, mas para favorecer os próprios legisladores. Essas leis costumam ser falhas por generalizarem a desigualdade ou a igualdade.

Os problemas da desigualdade

Quando os ricos estão no poder, generalizam a desigualdade, reservando todas as vantagens para os cidadãos mais ricos como se, só por terem mais dinheiro, tivessem também mais mérito moral e intelectual. Só os ricos têm acesso aos cargos públicos, às melhores escolas e até aos melhores instrumentos musicais.

Esse tipo de sociedade baseia-se no orgulho da classe dominante, e nele os pobres são discriminados de diversas formas. Algumas pessoas passam a acreditar inclusive que os pobres são inferiores moralmente, e que eles têm uma tendência natural a cometer crimes. Mas Aristóteles nos lembra que ninguém se torna um tirano sanguinário para evitar a fome e o frio, e sim por ter desejos excessivos. Ou seja, os maiores crimes não são causados pela pobreza, e sim pelo vício (falta de virtude).

Os problemas da igualdade

Ao contrário, se pessoas sem nenhum tipo de vantagem conseguem o poder, generalizam a igualdade, estabelecendo que todos tenham as mesmas condições independentemente de seu mérito. Nesse caso, o pior pedreiro e o melhor professor terão as mesmas condições de vida, embora o melhor professor se esforce muito mais e contribua muito mais para com a sociedade. Isso significa que o melhor professor estará dando em excesso e o pior pedreiro, recebendo em excesso. Portanto, a igualdade generalizada também é injusta.

Esse tipo de sociedade baseia-se na inveja da classe que antes era a dominada, e nele são discriminadas as pessoas que se destacam de alguma forma, porque sua existência evidencia a injustiça de uma igualdade forçada. Os ricos são discriminados por terem mais bens, e suas posses são muitas vezes confiscadas. E as pessoas com mais aptidão para alguma atividade exercem as mesmas funções que as demais.

Em algumas sociedades a igualdade foi tão gerneralizada, que os políticos eram eleitos por sorteio! E, por mais poética que uma sociedade onde todos têm a mesma chance de serem governantes possa parecer a alguém, a sociedade justa não é aquela em que todos têm as mesmas chances de conseguir tudo: a sociedade justa é aquela em que cada um é recompensado por seus méritos. Nela os cargos públicos vão para os administradores mais competentes e honestos, as melhores escolas vão para os alunos mais estudiosos, e até os melhores instrumentos musicais vão para os melhores músicos.

A meritocracia

As recompensas

Aristóteles conclui que as leis ideais incentivam a virtude e a justiça, pois os cidadãos procuram agir da melhor forma possível para serem beneficiados por elas. E, para isso, não favorecem um grupo pré-determinado de cidadãos, nem evitam que os melhores se sobressaiam.

Em vez disso, as leis ideais premiam aqueles que beneficiam os demais de acordo com seus atos. Ou seja: todos os cidadãos devem ter as condições materiais necessárias para uma vida saudável (pois Aristóteles acreditava que todos os cidadãos devem ser felizes), mas apenas os que mais contribuírem devem enriquecer.

Os cargos

Também segundo Aristóteles, as leis ideais tornam a sociedade eficiente, pois fazem com que cada função seja ocupada não pelos cidadãos com mais dinheiro ou com mais sorte, mas pelos mais capacitados para exercê-la. E aqueles que não se conformam com a justiça, e tentam tirar o que é dos outros à força ou adquirir cargos sem o devido mérito com enganos ou dinheiro, devem ser punidos para compensar o benefício injusto que tentam obter.

Mas Aristóteles nos ensina que o melhor instrumento para evitar os piores crimes não é a lei, e sim a educação, pois esses crimes não são cometidos por conta de condições externas ao criminoso, e sim por conta de seu vício. Portanto, a melhor forma de combater o crime não é aumentar a riqueza do povo ou a justiça das leis, e sim cultivar o caráter de cada cidadão.

O progresso

Conforme os cidadãos de um povo se tornam virtuosos, as leis ideais vão se tornando cada vez menos necessárias, pois eles se relacionam de maneira saudável naturalmente, desejando sempre o bem uns dos outros. E isso possibilita que cumpram o requisito social mais elevado da felicidade humana, que é a verdadeira amizade.

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