Virtude

Virtude é a disposição para agir na medida certa, evitando os extremos da falta e do excesso.

O que é a virtude?

Definição de virtude

Comer moderadamente preserva nosso corpo em bom estado, enquanto comer de menos ou comer demais nos causa problemas de saúde. Da mesma forma, uma quantidade moderada de exercícios nos fortalece, enquanto a falta de exercícios nos enfraquece e o excesso nos machuca. Tudo na vida é assim: as coisas geram benefícios na medida certa, enquanto sua falta ou excesso causa prejuízos.

Então a forma certa de agir é sempre com moderação (isso vale para todos os aspectos da vida. Não apenas para o físico, mas também para o intelectual e para o emocional). E Aristóteles chama de “virtude” a característica das pessoas que agem da forma correta. Portanto, virtude é a disposição para agir na medida certa, evitando os extremos da falta e do excesso. Aristóteles também nos ensina que essa disposição nos leva a ter uma vida saudável e feliz.

A virtude varia de pessoa para pessoa

Mas um jogador de basquete de 2 metros de altura, que tem um corpo grande e queima muitas calorias, precisa de mais comida para ser saudável do que um contador de 1,60m. O contador também precisa alimentar-se bem para ser saudável e poder concentrar-se em seu trabalho, mas não tanto quanto o jogador de basquete, pois não é tão grande, nem queima tantas calorias. Ou seja: a medida certa de cada coisa varia de pessoa para pessoa, pois cada uma tem suas necessidades.

Devemos tomar cuidado com as comparações, porque aquilo que é ideal para um pode não ser para outro: se um jogador de basquete e um contador comem de maneira ideal para si mesmos, o jogador de basquete pode achar que o contador come muito pouco, enquanto o contador pode achar que o jogador de basquete come demais. Para praticarmos a virtude, precisamos encontrar a medida certa de cada coisa para nós.

O que é o vício?

Definição de vício

Se Aristóteles chama a disposição que nos leva a agir corretamente de “virtude”, à disposição contrária dá o nome de “vício”. Portanto, vício é a disposição para agir de forma desequilibrada, seja por falta ou por excesso. E, se a virtude nos leva a ter uma vida saudável e feliz, o vício, ao contrário, nos afasta dessa vida.

Por que praticamos o vício

Mas por que alguém agiria de forma contrária à sua própria felicidade? Não seria isso loucura? Por mais estranho que pareça, a maioria de nós pratica o vício com frequência.

Às vezes porque não conseguimos nos conter: é o que acontece nos casos de compulsão alimentar, em que a pessoa come em excesso mesmo sabendo que isso a entristece, e no caso dos preguiçosos, que até sabem que viveriam melhor se se esforçassem mais, mas não o fazem por falta de motivação.

Outras vezes até nos esforçamos, mas não sabemos a forma certa de agir: é o que aconteceria se uma pessoa de 1,60m, para ser tão forte quanto outra de 2 metros, decidisse comer tanto quanto ela; ou se uma pessoa de 2 metros, para ser tão magra quanto outra de 1,60m, se esforçasse para comer tão pouco quanto ela.

O que todos os casos têm em comum é que praticamos o vício porque não aprendemos a agir da melhor forma para alcançar a felicidade.

De onde vem o caráter?

Definição de caráter

De acordo com nossas convicções, nossos impulsos e o controle que temos sobre esses impulsos, tendemos a agir de uma forma boa ou má. Caráter é a tendência que temos de agir bem ou mal.

Formação do caráter

Para obter bons frutos, precisamos plantar uma semente boa em uma terra fértil. O mesmo acontece com a educação. Uma boa educação aplicada a uma pessoa receptiva dará bons resultados, enquanto uma educação ruim ou uma pessoa que se recuse a receber uma boa educação darão maus resultados. Em todo caso, uma semente pode crescer melhor ou pior dependendo de como é cultivada. E, assim como os fazendeiros cultivam o solo, os hábitos cultivam o caráter.

Níveis de caráter

Aristóteles define quatro níveis de caráter (ou virtude) que um ser humano pode ter.

Vicioso

Vicioso é quem tem o pior tipo de caráter. É a pessoa que pratica o vício não por falta de autocontrole, mas por falta de discernimento (ou seja, porque acredita que o errado é certo). Quem é vicioso pode fazer coisas terríveis contra si ou contra os outros sem remorso. Pode usar drogas que prejudiquem sua saúde ou dedicar todo o seu tempo a diversões inúteis por simples prazer, ou aproveitar-se dos outros e até mesmo agredi-los por pensar que é certo ser egoísta. Uma pessoa viciosa dificilmente muda, pois errar pensando acertar torna o erro prazeroso.

Incontinente

Incontinente é quem age mal por falta de autocontrole, embora tenha o discernimento para saber que está errando. Quem é incontinente comete muitos erros contra si ou contra os outros, mas se sente culpado por isso. Pode ter um grande desejo de estudar ou de se exercitar, mas prefere ficar assistindo TV porque sente preguiça; ou pode querer tratar bem a todos, mas acaba sendo mal-educado por impulso. Alguns são incontinentes porque agem sem pensar e outros porque não conseguem agir como pensaram, mas todos que se encontram nesse nível têm boas chances de mudar, pois, como sofrem por agirem mal, têm incentivo para serem diferentes. Aristóteles comenta que este é o nível de caráter mais comum.

Continente

Continente é quem age bem porque tem discernimento e autocontrole, mas precisa resistir aos seus desejos para isso. Quem é continente costuma agir corretamente, embora com alguma dificuldade. Pode não gostar tanto de estudar, mas estuda porque é o melhor para seu futuro; e pode até querer comer vários pedaços de pizza, mas prefere parar quando está satisfeito, porque é o melhor para sua saúde. Pessoas nesse nível podem regredir para a incontinência, se pararem de se esforçar, ou podem tornar-se virtuosas, se continuarem se esforçando por bastante tempo.

Virtuoso

Virtuoso é o tipo de pessoa que todos deveríamos ser. Quem é virtuoso age corretamente sem dificuldade. Não faz o que deve por obrigação, e sim por querê-lo realmente. Se dedica com prazer ao trabalho, ao estudo e aos cuidados do corpo, mas não se esquece da diversão e do descanso (como a virtude é moderada, quem se esforça o tempo todo erra pelo excesso). Essas pessoas são respeitosas, mas também exigem respeito. E gostam muito de ajudar as outras, mas se afastam dos aproveitadores. Pessoas nesse nível de caráter dificilmente regridem, porque sentem prazer em agir bem.

Tabela

Níveis de caráter
Caráter Descrição
Vicioso Pratica o vício não por falta de autocontrole, mas por falta de discernimento.
Incontinente Pratica o vício por falta de autocontrole.
Continente Pratica a virtude porque tem discernimento e autocontrole.
Virtuoso Pratica a virtude porque só tem desejos bons.

Exemplos de virtude

Entender o que é a virtude de maneira geral pode nos ajudar a viver bem, mas é mais fácil agir de forma virtuosa se conhecemos a virtude que se aplica a cada situação. Por isso Aristóteles nos dá exemplos de várias virtudes que deveríamos desenvolver. Abaixo estão algumas delas.

Coragem

A coragem é o meio termo entre a covardia e a temeridade.

Covarde é quem sente medo facilmente, mesmo que esteja em situação vantajosa. Essa pessoa não aceita correr nem mesmo riscos pequenos para obter grandes benefícios, porque é impedida por um medo irracional. Muitos confundem covardia com prudência, mas a covardia é um vício, pois é uma cautela exagerada que nos leva a perder boas oportunidades.

Temerário é quem nunca sente medo, por mais que esteja em desvantagem. Essa pessoa é capaz de correr grandes riscos por pequenos benefícios, pois não leva o perigo em consideração. Muitos confundem temeridade com coragem, mas a temeridade é um vício, pois é uma confiança exagerada que nos leva a correr riscos que não valem a pena.

Corajoso é quem sente medo apenas nos momentos certos. Essa pessoa enfrenta os perigos bravamente quando necessário, mas só aceita se arriscar por benefícios condizentes. A coragem é a virtude entre os vícios da covardia e da temeridade.

Generosidade

A generosidade é o meio termo entre a avareza e a prodigalidade.

Avaro é quem evita qualquer gasto pelo bem dos outros, por mais benéfico que seja. Essa pessoa dificilmente empresta seu dinheiro, e gasta o mínimo possível com presentes mesmo em situações especiais.

Pródigo é quem gasta indevidamente pelo bem dos outros. Essa pessoa gosta de dar presentes caros mesmo em situações comuns, e está disposta a se sacrificar consideravelmente para dar um pequeno benefício às outras. Muitos confundem prodigalidade com generosidade, mas a prodigalidade é um vício, pois é uma bondade exagerada que acaba nos prejudicando em favor dos aproveitadores.

Generoso é quem gasta na medida certa pelo bem dos outros. Essa pessoa dá presentes simples em situações comuns e presentes especiais em situações especiais, mas nunca gasta mais do que suas posses permitem e empresta seu dinheiro apenas a pessoas honestas que realmente precisam. A generosidade é a virtude entre os vícios da avareza e da prodigalidade.

Paciência

A paciência é o meio termo entre a apatia e a irascibilidade.

Apático é quem nunca fica bravo, mesmo diante das maiores injustiças. Podemos ofender essa pessoa e nos aproveitar dela o quanto quisermos, e mesmo assim ela não fica brava. Muitos confundem apatia com paciência, mas a apatia é um vício, pois é uma tolerância exagerada que acaba dando espaço a injustiças.

Irascível é quem fica bravo facilmente. Precisamos tomar cuidado para não ofender essa pessoa, porque basta que esbarremos nela sem querer ou discordemos de suas opiniões para que ela se enfureça. Alguns pensam que ser irascível é bom porque desencoraja que os outros cometam injustiças, mas somos nós que acabamos sendo injustos quando agimos dessa forma, e tornamos difícil conviver conosco.

Paciente é quem fica bravo apenas nos momentos certos. Essa pessoa tenta tratar bem a todos e evita sentir raiva, mas reage com a energia necessária quando alguma injustiças é praticada. A paciência é a virtude entre os vícios da apatia e da irascibilidade.

Simpatia

A simpatia é o meio termo entre a implicância e a bajulação.

Implicante é quem tende a sempre criticar, mesmo quando algo merece elogios. Podemos fazer coisas incríveis para impressionar essa pessoa, e mesmo assim ela foca em algo negativo. Alguns pensam que estar sempre apontando os defeitos dos outros os ajuda a melhorar, mas essa atitude nos torna desagradáveis e prejudica a autoestima alheia.

Bajulador é quem tende a sempre elogiar, mesmo quando algo merece críticas. Podemos fazer coisas péssimas para desapontar essa pessoa, e mesmo assim ela foca em algo positivo. Muitos confundem bajulação com simpatia, mas a bajulação é um vício, pois é uma admiração exagerada que cultiva um orgulho indevido nos outros e torna mais difícil que eles percebam seus defeitos.

Simpático é quem elogia e critica nos momentos certos. Essa pessoa percebe os méritos e os defeitos das outras, mas os aponta com moderação, para tratá-los com justiça e ajudá-los a notar tanto suas qualidades quanto seus defeitos. A simpatia é a virtude entre os vícios da implicância e da bajulação.

Tabela

Exemplos de virtudes e vícios
Vício da falta Virtude (moderação) Vício do excesso
Covardia Coragem Temeridade
Avareza Generosidade Prodigalidade
Apatia Paciência Irascibilidade
Implicância Simpatia Bajulação

Como ser virtuoso?

Mirando no alvo

Todos nascemos com a capacidade de nos tornarmos virtuosos. Aristóteles explica que praticar a virtude é mais difícil que praticar o vício, da mesma forma que acertar um alvo é mais difícil que errá-lo. Mas, assim como aprendemos a acertar um alvo distante treinando a pontaria, também aprendemos a ser virtuosos se nos treinamos da maneira correta. E, já que a virtude está no meio termo entre a falta e o excesso, a maneira correta de nos treinarmos é caminhar em direção ao extremo oposto àquele em que nos encontramos.

Alinhando o quadro

Segundo Aristóteles, esse método funciona porque nossa visão é distorcida pelos nossos vícios. Ou seja: se estamos em um extremo, temos a impressão de que o meio termo é o extremo oposto. Por isso uma pessoa perfeitamente corajosa parece covarde para quem é temerário, e temerária para quem é covarde. E uma pessoa perfeitamente paciente parece apática para quem é irascível, e irascível para quem é apático.

Então, se somos apáticos, devemos tentar ser irascíveis, e acabaremos sendo pacientes. E, se nos tornarmos irascíveis, devemos tentar voltar a ser apáticos. Dessa forma aproximamos nosso caráter do equilíbrio cada vez mais até que nos tornamos virtuosos, como se estivéssemos alinhando um quadro um pouco para a direita, e depois um pouco para a esquerda, até deixá-lo exatamente onde devia estar.

Cultivando a terra

Com o tempo a forma certa de agir vai se tornando natural para nós, porque ao contrário das capacidades intelectuais, que adquirimos pelo estudo, a virtude vem do hábito. Ou seja: cultivando os hábitos corretos chegaremos a bons resultados, assim como uma boa semente dará bons frutos em um solo bom. Mas um adulto pode precisar de algum tempo para corrigir-se, se já tiver muitos vícios. A forma mais fácil de nos tornarmos virtuosos é cultivando a virtude desde pequenos por meio de uma boa educação.

Temas

Clique nos temas abaixo para aprender mais com Aristóteles.